A gente se perde tentando caber nos outros — e se encontra
quando começa a abrir espaço para si
Ninguém vê o que a gente esconde para caber. O que a gente engole,
dobra, silencia. Tem partes nossas que foram ficando pelo caminho, porque
não encaixavam, porque incomodavam, porque eram demais para alguém. E,
aos poucos, a gente vai se apertando em versões menores de si mesmo,
tentando fazer parecer que está tudo certo.
Mas não está. Porque tem um custo. E o preço de não caber inteiro é
alto. São pedaços que doem por dentro, sentimentos que a gente trancou,
palavras que ficaram entaladas. São vontades abortadas antes de nascer,
sonhos empurrados para depois, e um depois que nunca chega.
As coisas que não couberam foram ficando em gavetas internas, que
vez ou outra se abrem sozinhas. E aí transbordam em forma de angústia,
ansiedade, crises sem nome. É o corpo avisando que tem partes dele que você
abandonou. E que agora, doem.
Ninguém devia precisar diminuir o próprio brilho para não ofuscar
alguém. Ninguém devia se calar para manter a paz. Ninguém devia ter que se
apagar para ser amado. Mas a gente faz. Por medo de rejeição, por carência,
por amor mal compreendido. Até perceber que, no fim, o que não coube em
alguém pode ser exatamente o que te faz ser quem é.
As coisas que não couberam merecem espaço. Merecem luz. Merecem
perdão. Não dá parte do outro — mas da nossa. Perdão por ter escondido
tanto, por ter fingido tanto, por ter se esquecido de si. Ainda dá tempo de
recolher cada parte deixada para trás e dizer: agora você pode ficar. Agora
você cabe.
@enricopierroofc
Ninguém ensina a voltar
Chapéu: E quando a gente se perde de si?
Voltar para si não é egoísmo — É sobrevivência. E também é
recomeço.
Ninguém ensina a voltar. A sair de um lugar que você nem viu que
entrou. A se reconhecer após meses (ou anos) sendo o que esperavam de
você. A perceber que, em algum ponto do caminho, você se perdeu de si e não
sabe mais onde foi parar.
Não tem manual para isso. Ninguém te diz que voltar para si pode doer
tanto quanto ir embora. Que vai ter culpa, medo, saudade do que você fingia
ser. Que mesmo as versões que te machucaram deixam um tipo estranho de
conforto. O conforto de saber quem você era, mesmo que aquilo fosse só um
rascunho mal feito.
Voltar é desconfortável. É abrir gavetas que você fechou com pressa. É
ouvir a própria voz após anos falando só o que o outro queria ouvir. É olhar no
espelho e não se reconhecer — mas, ainda assim, escolher ficar. Escolher se
esperar. Escolher se reconstruir, mesmo sem ter certeza se vai dar certo.
Ninguém fala que às vezes o caminho de volta é mais longo que a ida.
Que tem tropeço, tem recuo, tem dias em que parece que você está voltando
para lugar nenhum. Mas ainda assim, é para ir. É para continuar. Porque, lá na
frente, tem um ponto onde a dor desacelera. Onde o peso diminui. Onde a vida
começa a caber de novo no peito.
E talvez seja isso que signifique voltar: não ser quem você era antes,
mas ser quem você precisa ser agora. Com mais cuidado, com mais verdade,
com mais espaço para você habitar em paz dentro de si.
@enricopierroofc